Reviews de livros
Texto em letras grandes diz 'Fupicat reviua livros'. Ao lado, um desenho do Fupicat 'lendo' um livro de olhos fechados, uma seta aponta para ele dizendo 'his ass is not reading'.
Sou um leitor bem lento, termino 1, no máximo 2 livros por ano, mas estou sempre lendo alguma coisa! Então aqui estão algumas das minhas recomendações pessoais.
A maioria desses livros serão de não-ficção, pois esse é o gênero que eu prefiro.
Lendo agora: It Came from Something Awful (Dale Beran, 2019) - Comprar (Inglês)
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Nesta página
- Weaving the Web (Tim Berners-Lee, 1999)
- 1984 (George Orwell, 1949)
- A Metamorfose (Franz Kafka, 1915)
- I'm Glad My Mom Died (Jennette McCurdy, 2022)
⚠️ Atenção! Sei que muita gente tem opiniões muito fortes sobre livros mas eu não me considero uma autoridade! Sinta-se livre para discordar de qualquer coisa que eu disser aqui.
Weaving the Web (Tim Berners-Lee, 1999)
Comprar: Inglês - NÃO compre a versão eBook!Provavelmente uma das obras mais nerdolas dessa listagem, esse livro é um documento histórico interessantíssimo escrito pelo criador da World Wide Web. Ao invés de abordar a história da web através das tecnologias que a compõe e sua evolução, Weaving the Web conta a história sob uma perspectiva muito mais humana: como a ideia de organizar informação usando links surgiu, como ela tomou forma dentro da CERN, o seu crescimento exponencial, e a batalha contínua para que a Web fosse um meio neutro e descentralizado para interação entre pessoas. Mesmo se você sente que já conhece a história da Web, esse livro com certeza vai te apresentar novas informações e uma visão única, que só o criador dela poderia oferecer.
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Mesmo não sendo um livro técnico, eu o recomendo apenas para aqueles que possuem no mínimo um conhecimento superficial de como a Web funciona (HTTP, HTML, XML, etc.). Desde o início, o livro usa vários jargões referentes a software e redes que podem confundir um leitor mais leigo, porém, todos eles estão explicados em um glossário no final do livro.
Uma das partes mais fascinantes para mim é quando o autor fala sobre seus planos para o futuro da web. Como fundador da W3C, a organização encarregada de padronizar a Web para que ela pudesse alcançar seu maior potencial, Berners-Lee destaca várias vezes que eles criam apenas recomendações, que empresas desenvolvendo navegadores e servidores podem adotar ou não. Claro, como essas mesmas empresas participam ativamente dos comitês da W3C, geralmente tais recomendações resultam de acordos entre os participantes de uma forma que beneficie todos eles, e destoar do padrão costuma não ser um diferencial no mercado, mas sim um motivo para usuários quererem trocar de navegador. Porém, uma das funções que o autor considera mais importantes para o potencial da Web como sistema de cooperação global, a Web Semântica, eu sinto que acabou indo em uma direção muito diferente.
A ideia da Web Semântica, para Berners-Lee, era que cada website definisse o tipo de conteúdo que apresenta em uma forma que fosse compreensível tanto por humanos quanto por computadores, oferecendo definições de conceitos que poderiam ser ligados a outros através de hiperlinks, e assim a Web poderia naturalmente se tornar uma das ferramentas de pesquisa e análise mais poderosas da história. Se você pode linkar conceitos, objetos, pessoas, valores, tudo que pode imaginar, você poderia pesquisar por produtos especificando filtros para tipo, cor, preço e local de venda, e um navegador ou serviço online buscaria exatamente o item que você quer passando pelos vários nodos da rede semântica até haver uma correspondência, imagina que futuro doido??
Esse livro foi publicado em 1999. Se eu pudesse voltar no tempo e mostrar ao Tim que, no futuro, você pode simplesmente digitar "Gol vermelho em Porto Alegre por 40 mil reais" em uma caixa de texto e encontrar 278 mil resultados em 0,38 segundos, ele ficaria completamente desbundado. O futuro é hoje, porém, ele não se deu graças à tecnologia revolucionária da Web Semântica; o mercado decidiu ir em outra direção. Ao invés de definirmos o conteúdo da nossa página de uma forma padronizada para legibilidade por computadores, tudo o que importa é o SEO, ou melhor, o que o Google considera mais importante para que o seu site apareça nas pesquisas.
O Google hoje (27/01/2025) ocupa 89,74% do mercado de pesquisas na internet, segundo lugar ficando com o Bing por 3,97%. Não podemos negar que o Google, singularmente, molda a forma como o mundo descobre e navega pela internet. Por mais que os padrões já estabelecidos ajudem (HTML5, JSON-LD...), seu motor de busca não precisa de uma Web semântica para organizar suas informações, ao invés disso, o Google tem dinheiro o suficiente para fazer análise semântica diretamente no texto do site, usando redes neurais para forçar um computador a entender e analisar conteúdo que só devia ser consumido por humanos de um jeito literalmente impossível para humanos compreenderem; SEO é uma ciência inexata com diversos rituais e mantras obscuros. Assim, a Web inteira fica refém das vontades de uma única empresa, um grande desvio no seu caráter aberto.
Mas o Google é apenas uma pequena parte da centralização da Web. Enquanto isso o conteúdo que humanos realmente se importam: pessoas, cultura, e suas conexões, estão cada vez mais selados em redes sociais, isolados do resto da internet aberta, muitas vezes precisando pagar por uma API restrita para ter acesso aos dados dela para análise, e ainda assim deixando seus usuários vulneráveis a ataques específicos baseados na quantidade enorme de informações pessoais que essas empresas têm sobre eles.
Para o bem ou para o mal, a internet de hoje não é a mesma dos anos 90, desde 2019 (muito graças ao COVID) mais da metade do mundo está conectada. A Web hoje não é apenas uma ferramenta de organização de informação, e sim parte do nosso dia-a-dia. Nunca foi tão fácil obter informação, como também espalhar desinformação, aplicar golpes, e manipular sistemas de confiança. A ideia que a Web poderia ser uma enorme biblioteca da verdade onde todo mundo pudesse contribuir para o benefício da humanidade em geral é uma linda demonstração de otimismo perante à tecnologia do início do milênio que eu, por ter nascido muito tarde, sempre só ouvi falar. Talvez o futuro da Web nunca venha a ser tão aberto quanto nosso mano Tim sonhou desde a sua concepção, mas eu fico feliz em saber que, na base da pirâmide sobre a qual todo o mundo moderno se sustenta, há sempre pessoas como ele, que preferem pensar primeiro no potencial coletivo da sociedade, porque no fim esse é o único jeito que nós realmente progredimos.
1984 (George Orwell, 1949)
Comprar: Português - InglêsÉ muita prepotência dizer que eu esperava mais? x)
A ideia de uma distopia como elemento literário me fascina; é muito comum que queiramos buscar algum tipo de guia ou líder para colocar o nosso mundo nos eixos e dar alguma direção para nossas vidas, mas ao mesmo tempo temos medo de sermos controlados e despidos de nossas liberdades. Essa dissonância cognitiva é um sentimento muito humano, e que eu sinto que pode ser explorado de infinitas formas.
Como zoomer que usa "literalmente 1984" como gíria pra qualquer coisa que minimamente me incomoda, sempre tive curiosidade de saber do que a obra realmente se trata, pois sim, mesmo que haja pessoas que a levem como um oráculo, ela é uma obra de ficção como tantas outras! Ela tem um enredo, personagens, início, meio e fim. E era isso que me interessava.
1984 é um pioneiro da distopia moderna. Geralmente isso seria uma coisa boa, mas o livro é literalmente escrito como um guia para escrever uma distopia. Todo o vocabulário está lá: o grande irmão, o pensar criminoso, a novilíngua, o duplipensar, todos termos que você já deve ter ouvido incansavelmente se já se deparou com alguma discussão política na internet, porém, pra além de apresentar e explicar os conceitos, como um livro de ficção, ele consegue ser chocantemente sem sal. Se você já viu qualquer pessoa falar sobre 1984, você não precisa ler 1984.
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A história segue a vida de um homem qualquer chamado Winston que trabalha alterando e queimando arquivos e documentos históricos para um governo autoritário, que segue a ideologia IngSoc. No início do livro ele age como um robô, passando pela sua rotina como se tudo fosse memória muscular, porém, no decorrer da história, ele vai lentamente acordando e percebendo que na verdade ele está vivendo em literalmente 1984. O primeiro terço do livro é bem didático e lento, como se fosse um tutorial para o leitor sobre como cada aparato de manipulação do governo funciona, escrito muitas vezes de forma enciclopédica ao invés de narrativa. Ler a página desse livro na Wikipédia seria uma experiência tão interessante quanto.
No meio disso, tem um sub-plot romântico em que o Winston tem uma relação íntima com outra mulher que também é membro do partido, e em uma sociedade que controla todas as suas interações sociais, o próprio relacionamento deles é um ato político. Adoro essa observação que o livro faz. Na verdade ele está cheio de pequenos momentos como esse, que te deixam formar um paralelo entre a realidade fictícia do livro e a nossa. Uma comparação que é um pouco mais familiar para mim que sou povo animado por exemplo: hoje em dia, puramente existir sendo trans é visto como um ato político, de rebelião, ou de degeneração, que devia ser escondido. É impossível viver sua vida sem ser constantemente questionado e "debatido" sobre a sua própria existência. Pessoas trans estão sendo ativamente perseguidas pelo governo e apagadas da história? Pelo menos hoje em dia, no Brasil, não, mas se o livro fosse 100% igual à realidade, ele não seria ficção! Histórias como essa servem para você comparar com o mundo onde você vive e te deixar com aquela pulguinha atrás da orelha, imaginando quão perto de uma distopia real nós estamos, e em certos momentos, 1984 consegue alimentar bastante essa pulguinha.
Infelizmente, lá pela metade, o livro começa a se perder no seu próprio hype. Conforme o Winston vai se infiltrando cada vez mais na conspiração contra o governo autoritário, ele vai aprendendo mais sobre como ele funciona, e a crítica social se confunde. Em um dos capítulos mais arrastados que eu já li, Winston está na cama com a namorada dele em um esconderijo e ele começa a ler um motherfucking livro de MIL páginas intermináveis explicando como o mundo funciona, quase sem usar vírgulas. O livro é escrito por um revolucionário anônimo ao redor de qual todo o movimento contra o governo se baseia, então a ideia é que ele revele de uma vez por todas o que está por trás da ideologia do IngSoc. O problema é que esse livro usa muitos corta-caminhos para explicar a pergunta que mais me atiçou desde o início, que é por que o regime de IngSoc é assim, quais são as motivações? Acaba que o motivo é que eles são muito do mal e querem poder, porque... porque querem. Ah, e todos os governos autoritários antes desse não deram certo porque eles eram burros e não sabiam autoritar, e o IngSoc é o governo mais do mal e mais autoritário de todos. Eh.
Eu acredito que na vida real, toda interação na escala global provém de interesses materiais. Dizer que é tudo só malvadeza não é útil, porque aí a solução pro problema do autoritarismo é "vamos colocar pessoas boas no poder, aí eles vão ser os ditadores bonzinhos", o que é impossível!! Obviamente ninguém nunca vota ou apoia algum governo ciente de que ele é uma pessoa muito que do mal, todo candidato já se coloca como o melhor possível, mas a forma como o mundo se organiza ao redor de interesses econômicos faz com que as ideologias mais sanguessugas prevaleçam. O problema não é a maldade, e sim os sistemas que encorajam a maldade. Qual é a raíz do problema? Não sei, me conte livro!! Faça algo interessante com os conceitos que você criou!!!
Pelo menos lá pro final o livro dá uma virada bizonha e vira um thriller que realmente me fez suar frio. Logo depois do Winston ler esse livro e não aprender nada de novo, ele e a namorada dele são pegos pela polícia do pensamento. Eles são presos, levados cada um para um lado, e nunca mais se veem novamente. O Winston é severamente torturado por um dos membros do partido em que ele confiava, O'Brien, enquanto ele monologa para Winston sobre a ideologia IngSoc. Essa parte tem muitas passagens poderosíssimas, mostrando como a ideologia alterou o pensamento de O'Brien de forma que ele realmente acredita que o passado não existe, ele é apenas uma ideia na cabeça das pessoas, que pode ser alterada como qualquer outra ideia, e o único jeito de viver são é aceitar a realidade proposta pela maioria, ou melhor, pela ideologia que controla o passado.
Essa parte não está livre de corta-caminhos preguiçosos para explicar as motivações do partido, O'Brien fala novamente que o poder é um motivador por si só, e quanto mais poder você tem, mais poder você consegue. Isso é verdade, mas também não explica como o IngSoc conseguiu esse poder para começo de conversa. Se o livro tivesse oferecido qualquer explicação de como a IngSoc chegou ao poder, as manipulações pequenas do dia-a-dia que motivaram pessoas a se radicalizarem cada vez mais, ao invés de cortar completamente a população da equação e colocar a IngSoc como uma força imparável de violência e poder que é maior que tudo e todos, e sempre existiu e sempre existirá, sinto que ele poderia ser muito mais útil em fazer as pessoas pensarem criticamente sobre o poder da ideologia, ao invés de só servir como "gotcha" para atacar qualquer coisa que você não goste. Enfim!
Em resumo, 1984 é um excelente glossário para a escrita e análise de táticas de manipulação, tanto na vida real quanto em ficção, mas ele só vai uns 70% do caminho na sua crítica social e te deixa levemente desapontado, especialmente por ser um clássico tão aclamado. Eu esperava que ler o livro fosse revelar algo para além dos memes de 1984, mas no fim, às vezes ele é tão superficial quanto. Literalmente 1984.
A Metamorfose (Franz Kafka, 1915)
Comprar: Português - Inglês (também uma tradução)Esse livro é o que eu imagino quando vejo alguém menciona "terror psicológico", uma obra que toca nos medos mais profundos da sua mente a todo momento. No meu caso, o medo de ser apenas um peso morto para todos que eu amo, e que apesar dos meus melhores esforços para ajudar e ser uma boa pessoa, todos estariam muito melhor se eu apenas sumisse pacificamente, de minha própria vontade, sem deixar rastros.
Você já deve ter ouvido falar dessa história antes, A Metamorfose é a história de Gregor Samsa, um homem trabalhador comum que vive para o trabalho e sustentar seus pais e sua irmã mais nova, e que um dia acorda transformado em um enorme inseto/verme/monstro. Sua nova forma amedronta e enoja seus pais, e a única pessoa que se sujeita a cuidar dele é a sua irmã. Infelizmente, a vida familiar é incompatível com um monstro gigante vivendo em um dos seus quartos, e o pobre Gregor precisa aprender a aceitar que ninguém quer que ele exista.
Os parágrafos finais do livro me deixaram perturbado por dias.
Mesmo se você já conhece a história, recomendo muito ler. É uma história curta, mas que te impacta como nenhuma outra.
I'm Glad My Mom Died (Jennette McCurdy, 2022)
Comprar: Português - InglêsUma memória aterrorizante sobre os efeitos que ficam com você para o resto da vida quando todos os adultos que deviam te guiar e proteger na sua infância ao invés disso te exploram o máximo possível, e a luta diária para superar os traumas e hábitos destrutivos que eles implantaram em você.
A autora é mais conhecida por ter feito o papel da Sam nas séries iCarly e Sam & Cat na Nickelodeon, e o livro conta como ela foi aliciada desde criança pela mãe para ser o ganha-pão da família, usando a sua relação próxima de mãe e filha como chantagem emocional a todo momento e, entre muitas outras coisas, ensinando ela a praticar bulimia.
O texto segue uma estrutura bem linear, McCurdy conta a história da sua infância até os dias atuais, a morte da mãe dela servindo como um divisor de águas. A narração geralmente acontece em primeira pessoa, e a autora tem uma habilidade notável de conseguir expressar com clareza o que ela estava pensando e sentindo em cada momento da sua vida.
Mesmo sendo uma leitura pesada, o livro também é surpreendentemente bem humorado, com um humor seco e sarcástico, quase britânico, salpicando as cenas sombrias. O humor é um dos jeitos mais comuns de lidar com o trauma, e aqui ele é usado com ótimo efeito, muitas das minhas frases favoritas do livro são momentos cômicos que realçam a tensão e o drama.
Infelizmente como eu li esse livro há alguns anos ele não está mais fresco na minha memória, mas uma das partes mais comoventes para mim é quando a Jennette está fazendo terapia pela primeira vez na vida, e a psicóloga começa a fazer perguntas cortantes sobre a mãe dela, tentando fazer ela pensar criticamente sobre a relação que elas tinham, e a Jennette sua frio tentando bolar algum jeito de fazer a mãe dela parecer uma boa pessoa, pois depois de anos e anos de abuso emocional, ela nunca poderia nem ousar pensar que a mãe dela poderia ser qualquer coisa a não ser perfeita:
What kind of fresh hell is this? What is this impossible-to-ace quiz? I have no idea how I'm supposed to be answering to make Mom look good.
— Pg. 245
Cada passo sobre o qual a autora escreve ao relatar os altos e baixos da superação dos seus traumas servem também para fazer você refletir sobre os seus próprios traumas, suas próprias dificuldades. Apesar de eu não ter passado por nem um terço das dificuldades dela, a dependência emocional que faz McCurdy pular de relacionamento em relacionamento me pareceu bem familiar, e as conclusões que ela chegou e cita no livro me fizeram pensar muito sobre qual papel eu devo ter na vida das outras pessoas, e vice-versa.